"- Vai chover hoje, filho."
As letras e os números, ele desconhecia. O que ele era bom mesmo era ler os céus e escrever com sua enxada. Suas mãos eram calejadas com o sofrimento da necessidade. Não teve a oportunidade de segurar um lápis quando criança, porque precisava ajudar seu pai. Quando seu único filho entrou na escola, ficou encantado com a inteligência do garoto.
"- Pai? Hoje aprendi que quem descobriu o Brasil foi um português com sua esquadra de caravelas!"
Ele sorria com a inteligência do filho. Nem imaginava o que era uma caravela e único português que conhecia era o dono de um empório aonde ele trocava de vez em quando o feijão guandu, que ele plantava, por carne e peixes salgados. Começou desde cedo a fazer o impossível pelo letramento do filho, que foi crescendo e cada dia transbordava conhecimento que ele nunca tinha ouvido falar antes.
"- Pai, olha meus brotinhos de feijão no algodão! Vou levar lá para área para eles tomarem sol e fazerem mais fotossíntese!"
E o pai se orgulhava. Mesmo não entendendo muito do que o filho falava. Com o passar do tempo, o filho terminou o ginásio, depois o colégio e passou no vestibular para fazer faculdade.
"- Por que vai para tão longe, filho?"
"- Ah, pai! Quero ser cientista! Quero conquistar o mundo!"
"- Tá certo."
O filho foi para a universidade, começou a trabalhar na cidade, as visitas se escassearam. Não podia ir sempre ver o filho na cidade, porque precisava continuar escrevendo a sua história com a enxada. Na formatura do filho, ele não pôde fugir, tinha que estar lá. Na cidade grande, perdido em meio a tantas placas coloridas e letras que não entendia, o filho foi buscá-lo na Rodoviária e o levou para escolher roupas sociais para a ocasião.
"- Não precisa, filho!"
"- Faço questão, pai!"
Aceitou e foi experimentar algumas roupas nas lojas de um Shopping Center. Pensava que talvez o filho tivesse vergonha da origem simples do pai e precisasse esconder dos amigos. O filho escolheu roupas que ele jamais usaria: terno, meias, sapatos! Experimentou, achou bonito, mas por mais que tentasse esconder, ao olhar para as mãos, via a pele rachada e cheia de calos.
Chegado o dia da formatura, cerimônia linda, o filho mais lindo ainda e um orgulho em seu peito do garoto ter ido tão longe, mesmo não podendo contar com a ajuda do pai nos estudos. Na hora das fotos, escondeu as mãos no bolso para que os amigos não vissem as marcas do tempo. O filho então pediu para tirar uma foto só dele e do pai:
"- Essa é especial!"
Puxou o pai para um canto bonito do auditório, pegou as mãos dele e pediu que tirasse a foto no momento em que as tivesse beijando e explicou:
"- Esse homem e suas mãos fizeram o impossível para eu estar aqui. Obrigado, pai!"
* * * * * * * *
A foto hoje repousa ao lado da janela da sala, lá no interior. Todos as manhãs, quando sai para escrever com sua enxada, sorri e pensa consigo mesmo:
"- Valeu a pena."
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