"- Se meu filho colocar brinco, eu arranco no tapa!"
Foi assim que chegou a notícia de que seu pai não gostou ao saber que seu filho tinha colocado um brinco na orelha esquerda. O brinco era algo que ele queria colocar desde que tinha visto Michael Jordan, seu ídolo do basquete, com um. E ele tinha decidido colocar também. Foi até uma farmácia com os brincos que tinha comprado no centro da cidade. Se dirigiu à balconista.
"- Você coloca brincos?"
"- Sim. É pra você?"
"- É!"
"- Trouxe os brincos?"
"- Sm, mas vou colocar só um."
A balconista pegou o brinco, chamou até uma salinha no fundo da farmácia. Colocou em uma máquina que parecia um grampeador de papel, passou álcool na sua orelha esquerda e 'clic'. Uma dorzinha e pronto. Lá estava sua orelha com o pequeno brinco. Um pontinho dourado.
"- Ficou bom" ele pensou.
Desfilou com ele na cidade, seus amigos diziam que ele era corajoso. Suas amigas adoraram. Sua mãe não fez cara de quem desgostou. Sua tia adorou. Já seu pai... Seu pai detestou, assim que soube. E agora?
Durante alguns dias, sempre que chegava em sua casa e via o carro do seu pai na garagem, tirava o brinco da orelha e escondia no bolso da calça.
"- Bença, pai! Bença, mãe!"
"- Deus te abençoe, meu filho!"
Seu pai olhava de lado, procurando por algum brinco. Não encontrava. E os dias iam se repetindo. Um dia, na hora do jantar, seu pai reparou na orelha furada. Ele percebeu. O silêncio se prosseguiu por alguns minutos, até seu pai interromper:
"- Filho, você é gay?"
Sua mãe interviu.
"- Amor, isso é jeito de falar com seu filho?"
"- Tá bom. Eu sempre estou errado nesta casa. Onde foi que eu errei? Esses tempos modernos! Tempos modernos!"
Passou a ser mais ousado. Vez ou outra, chegava com seu brinco na orelha e quando seu pai via e fazia cara feia, ele ia para o quarto e tirava. Até que um dia voltou a farmácia e encontrou a mesma balconista.
"- Vou colocar o outro."
E lá foi para a salinha. Clic. Agora sua orelha direita também tinha um brinco. Andou pela cidade, todo imponente. Chegou em casa e, desta vez, não tirou. Seu pai chegou do trabalho e viu.
"- Bença, pai!"
"- Bença, flor!"
Ficou magoado com o comentário. Foi para seu quarto. Nem foi jantar. Ele só queria ter a sua individualidade respeitada. Seu pai sentiu a ausência de seu filho na hora do jantar. Mas, mesmo sabendo do motivo, não pediu desculpas. A partir daquele dia, tomou uma decisão: jamais parou de usar os dois brincos, mesmo na frente do seu pai. As chacotas vieram uma ou outra vez. E ele não se dava por vencido.
Os anos passaram. Se formou no colegial. Passou no vestibular e entrou na universidade. Jogou basquete como seu ídolo por um tempo, mas parou por causa das lesões no joelho. Tudo bem. Arrumou um bom emprego. Uma boa namorada. Os brincos, de pontinhos, viraram crucifixos. Depois brilhantes. Por fim argolas. Jamais deixou de usá-los. Na formatura, após a cerimônia de colação, seu pai se dirigiu a ele:
"- Filho, você era o mais lindo lá. Gostei dos seus novos brincos."
Foi sua redenção. Não foi um pedido de desculpas por todos os anos daquele ranço na garganta.
"- Obrigado, pai."
A paz estava selada. E o amor que tinha por seu pai agora estava completamente pleno e sem nenhuma mácula.
1 Comentários
Algo que fizemos ou que 'demonstramos ser' não pode jamais definir e mostrar o que realmente somos muito menos nosso carater.... o que importa é o que existe dentro de nós e não exteriormente....
Essa história é uma boa lição para quem gosta de julgar pela aparência! ;) bjãoo!Lis