"- Pois não?"
As atendentes daquela padaria na avenida principal, que adoravam cuidar da vida dos outros, perceberam que aquele rapaz que acabara de entrar e se sentar no banco rente ao balcão, pedia sempre para a mesma moça, uma descendente de italianos alta e bonita. Ela estava sem namorado há cerca de três meses e não queria se envolver com ninguém até aquele momento. Mas suas colegas não perdiam tempo e ficavam de sorrisos pelos cantos enquanto ela atendia o rapaz.
"- Eu queria um pedaço de bolo de cereja!"
Ela cortava um pedaço generoso, colocava em um prato, anotava o código do seu pedido em uma papeleta que ela punha embaixo do prato.
"- Obrigado."
"- De nada, moço!"
Ela ficava rubra como as cerejas do bolo ao ouvir a voz do rapaz e ela retribuía alimentando o rapaz tímido com sorrisos e gentilezas. Ele sempre sentava próximo de onde ela estava e a fitava de relance com olhos carinhosos. No outro dia, ele entrou na padaria, as atendentes se entreolharam e viram que ele procurava sua atendente e uma mais enxerida adentrou pela porta que ficava no fundo do balcão e foi chamar a colega:
"- Thaís, ele chegou!"
Ela apertou o passo e ao cruzar pela porta tentou disfarçar que aguardava aquele momento. Ele a viu, sorriu e se sentou.
"- Pois não? Já foi atendido?"
"- Ainda não. Bom, eu queria um pedaço de bolo de cereja!"
E ela o serviu como nos outros dias, com um sorriso no rosto. Certo dia, acabaram-se as cerejas e o confeiteiro não fez o bolo. Como ela entrava só no turno da tarde, ficou meio desconcertada em seu íntimo e tinha receio do que as outras atendentes ficassem zombando com ela por dias a fio. O rapaz chegou. Ela amedrontou. Ele a encontrou com os olhos, foi em sua direção no balcão e se sentou:
"- Pois não?"
"- Oi, acho que você já sabe, né? Queria um pedaço de bolo de cereja!"
"- Vou ficar te devendo. Não tenho hoje. Quer fazer algum outro pedido?"
"- Que pena... Não, obrigado. Então vou comprar algumas coisinhas pra casa. Com licença."
Ele se levantou e foi na área em que se encontravam as caixinhas de leites e os biscoitos. Depois que escolheu o que levaria foi em direção ao caixa. Ela viu que não o teria naquela tarde por preciosos minutos, tomou uma coragem que ela nunca soube de onde tirara, foi em sua direção e o interceptou:
"- Moço, desculpa por hoje. Leva essa trufa. Por conta da casa."
Ele pegou o bombom, agradeceu com os olhos e percebeu que junto com a trufa veio uma papeleta. Ele estranhou o "por conta da casa", mas deu de ombros e foi ao caixa. Ao chegar para pagar, ele notou que a papeleta tinha um nome e um número de celular. Ele olhou por cima dos ombros e ela fez um sinal para ele ligar para ela.
* * * * * * * * * *
Marcaram um encontro, descobriram o nome um do outro e que tinham uma série de coisas em comum. Um dia ele confessou que não gostava de bolo de cerejas, mas que quando a viu, ficou tão deslumbrado com a beleza de Thaís, que foi a coisa mais rápida que pensou e saiu de sua boca. Hoje, faz dez anos que estão juntos. E sempre riem quando encontram algo com sabor de cereja.
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