Crônica - O Contador de Histórias


Alguns são atletas com corpos esculturais. Outros são tão bonitos que deveriam ser artistas de cinema. E há aqueles que são engraçados que contagiam sua proximidade com gargalhadas. Ele impressionava contando histórias. Eventualmente escrevia um conto, narrava uma crônica, esboçava uma poesia, tirava fotografias e preparava apresentações em PowerPoint para seus colegas na empresa em que trabalhava, sempre elogiado por quem o conhecia.

"- Muito bom! Escreve mais!"

"- Apresentação perfeita!"

"- Cara, você é um artista! Parabéns!"

Então a conheceu. Ela que sempre foi atraída por tipos atléticos e modelos fotográficos, agora estava sozinha, depois de um término de relacionamento. Ela foi convencida a sair com ele em um encontro, só os dois, na casa dele, onde conheceria seus dotes culinários e conversariam. Enquanto ele preparava o jantar ela conheceu seus talentos com as fotografias afixadas em um mural, ele começou a apontar algumas e disparou a contar a história delas. 

O jantar estava pronto. Comeram, conversaram, ele elogiou sua beleza, ela ficou sem graça com o elogio. Ajudou a arrumar a louça na cozinha.

"- Adorei o jantar e te conhecer melhor. Mas preciso ir. Amanhã acordo cedo."

"- Tudo bem."

Num gesto um pouco mais ousado, ele pegou em seu queixo com os dedos da mão direita e com o braço esquerdo envolveu sua cintura e a puxou em sua direção. E o beijo aconteceu. Cinco segundos. Ela o empurrou.

"- Olha, foi um erro... Não estou pronta ainda para me envolver."

"- Tudo bem. Te levo para casa."

Enquanto a levava no carro, sua cabeça viajava em mil outras possibilidades de ter encerrado o encontro, mas o sabor dos lábios dela insistia em permanecer em sua boca. Já ela olhava as luzes da cidade pela janela, sem olhar para ele.

"- Chegamos."

"- Obrigada pelo jantar."

"- Não tem porquê agradecer."

"- Tchau. Se cuida."

"- Pode deixar."

Depois daquele dia, só uns dois dias depois o silêncio foi interrompido com uma mensagem de celular dele. Passaram a se conversar com mais frequência pelo telefone, mas ela temia em sair com ele novamente e em seu íntimo ela se convencia que ele estava confundindo as coisas. Ele era diferente dos caras com quem saía. Ela sempre tinha uma desculpa para não mais sair com ele: academia, ajudar na cerimônia de casamento de uma amiga, estudar inglês. E ele, teimoso, sempre tinha esperança: um dia terminaria certo o próximo encontro.

Com o tempo ela perdeu o receio de encontrá-lo ao vivo, mas sempre que podia, marcava em um lugar com muita gente.

"- Podemos marcar de sair de novo."

"- Quem sabe semana que vem. Essa semana estou muito ocupada."

"- Tá certo."

No fundo, ele sabia que ela desejava semideuses, não alguém comum como ele. Mas ele alimentava uma esperança de que poderiam dar certo. Ele passou a desejar que ela despertasse todos os dias com rosas vermelhas enviadas por ele, mas não tinha posses para isso. Pensou em redigir as próprias flores, mas as palavras não rimavam nas suas tentativas de poesias. Um dia, resolveu mudar de estratégia. Como era bom com histórias, resolveu escrever-lhe dois ou três contos por semana, fazendo rir e chorar. Ela os recebia, lia com atenção cada palavra e sabia que era uma forma diferente de ele dizer o que sentia por ela. Depois elogiava esse, não gostava do final daquele. Sempre furtiva e sem dar pistas do que se passava em seu coração. Não estava acostumada a ser inspiração de artistas.

Já se passaram uns vinte contos e ele continua sempre se inspirando nela para escrever. Não se sabe ainda se suas palavras tocaram o coração dela. Mas ao narrar os sentimentos, continuou alimentando a sua esperança e começou a entender o mundo. Mundo este que nunca esteve em sintonia com ele, mas que em sua esperança, ela um dia fizesse parte do seu.

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